Inventário dos Saberes e Práticas das Parteiras Indígenas de Pernambuco

Este projeto, realizado entre os anos de 2009 e 2010 pelo Instituto Nômades, em parceria com o Núcleo Ariano Suassuna de Estudos Brasileiros/UFPE, e apoiado pelo Grupo Curumim e pela Associação Saúde Sem Limites, inventariou os saberes e práticas de parteiras indígenas de três etnias do estado de Pernambuco – Xucuru (Agreste Central), Pankararu (Sertão de Itaparica), Kapinawá (Agreste Meridional) – utilizando a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), desenvolvida pelo Iphan.

Concebido como uma continuidade do Projeto Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco, ambos os projetos foram idealizados diante da necessidade de reconhecer e salvaguardar o conhecimento das parteiras tradicionais, parte integrante do nosso patrimônio cultural imaterial, devido à fragilidade do modo de transmissão desse conhecimento (oralidade); à avançada idade da maioria das parteiras ativas, e à escassez de registros escritos sobre esse saber. Verificou-se a necessidade de estender a pesquisa às parteiras indígenas, dada a especificidade de sua cultura, a fim de aumentar a representatividade da pesquisa e viabilizar a solicitação de registro desse saber ao IPHAN.

Nessas localidades, diversas foram as dificuldades para a realização da pesquisa de campo. Comumente, os lugares onde as parteiras residem são de difícil acesso. Em muitos deles automóvel ou mesmo motocicletas não conseguem chegar. Algumas vezes, para entrevistar as parteiras, foi preciso realizar o percurso a pé ou mesmo a cavalo, a exemplo de algumas aldeias da etnia Kapinawá.

Parteiras Judite e Dina, do povo Xucuru. (2009) Foto: Eduardo Queiroga

De um quantitativo de 90 parteiras cadastradas pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, foram localizadas e entrevistadas um total de 69 parteiras. Nesse inventário consideramos dois bens culturais associados ao ofício do partejar: o “Cachimbo/Cachimbada”, celebração realizada logo após o nascimento do bebê, e o ofício dos “Saberes e Práticas Tradicionais de Reza e Cura”, que compreende os saberes daquelas parteiras localizadas e entrevistadas que também são rezadeiras, benzedeiras, curandeiras ou que preparam “remédios do mato” e são solicitadas pelos moradores da comunidade para tratar males diversos. 

Parteira Quitéria de Maria de Jesus (Quitéria Binga), do povo Pankararu. (2009) Foto: Eduardo Queiroga

Os resultados dessa nossa primeira aproximação com o universo inventariado apontam que os saberes tradicionais relacionados à gestação, parto e puerpério, intimamente ligados ao conhecimento de ervas e à religiosidade, estão perdendo o espaço de transmissão que ocorria por meio da experiência prática e da observação durante o nascimento. Cabe destacar que muitas vezes esses saberes são de conhecimento da população em geral (a exemplo de interdições alimentares no pós-parto), principalmente das mulheres que vivenciaram a experiência de parir com a ajuda de uma parteira. Entretanto, há a referência da comunidade às mulheres detentoras desses saberes e de outras “ciências”, que são as parteiras.

Ações que valorizem os saberes tradicionais indígenas, com destaque às parteiras indígenas tornam-se primordiais, principalmente aquelas que envolvam as parteiras e jovens aprendizes visando a troca de conhecimentos e experiências de modo que a transmissão oral continue acontecendo. Como a atividade está relacionada diretamente com a saúde, o suporte para sua execução deve ser dado em várias frentes: realizar a interlocução da parteira com a atenção básica de saúde a fim de que tenha sempre o suprimento necessário para a assistência ao parto em segurança no que diz respeito à higiene e à proteção, conforme Programa Trabalhando com Parteiras Tradicionais (2000), acesso a transporte quando necessário, e, em caso de transferência, a possibilidade da parteira continuar acompanhando a mulher no hospital. Para isso, é preciso uma articulação entre as diversas instituições e esferas que atuam na área indígena e nos municípios onde esta se localiza.

Havendo a valorização do saber tradicional e da figura da parteira, bem como os recursos para deslocamento, há a possibilidade de mais mulheres optarem pelo parto domiciliar e assim a parteira terá maior atuação. Com seu papel valorizado irá atender mais partos e atrair atenção para o ofício, e assim repassar seus conhecimentos.

O Inventário traz à luz a riqueza desse ofício e as condições em que é exercido, desmistificando-o e colaborando para a implementação de políticas públicas de cultura e saúde que considerem as especificidades indígenas de atenção à gestação e ao parto, e para a promoção de ações de salvaguarda que facilitem o diálogo de saberes entre o conhecimento biomédico e os conhecimentos tradicionais.

O folder com uma síntese dos resultados do inventário pode ser baixado aqui:

FICHA TÉCNICA 

Coordenação: Geral Sumaia Vieira 
Coordenação de Pesquisa: Júlia Morim 
Pesquisadoras: Dan Gayoso, Bárbara Luna & Jacira França 
Fotógrafo: Eduardo Queiroga
Consultora em Antropologia – NASEB/UFPE: Profa. Dra. Maria Aparecida Lopes Nogueira
Consultoria Povos Indígenas: Eliana Monteiro 
Produção: Sumaia Vieira & Júlia Morim
Realização: Instituto Nômades
Parceria: Universidade Federal de Pernambuco
Apoio: Grupo Curumim | Associação Saúde Sem Limites | Iphan
Incentivo: Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) | FUNDARPE | Governo de Pernambuco


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